quarta-feira, 23 de novembro de 2016

ESPIRITUALIDADE FAMILIAR





Os casais e as famílias precisam alimentar ou reencontrar um modo de se vincularem a Deus. Na Igreja doméstica se reza, se ouve a Palavra, se fala do Evangelho, se vive até o fim o sinal da presença do Senhor no sacramento do matrimônio e nas reuniões da Igreja doméstica. Mas, sobretudo, se vive sob o olhar de Deus no tecido do cotidiano. Inspiramo-nos no texto: “A Liturgia Doméstica, in Casamento, sacramento do dia a dia”, Maria do Carmo e José Maria Whitaker Neto, publicação interna das ENS.

Henri Caffarel, sacerdote francês, fundador das Equipes de Nossa Senhora, assim fala da liturgia na Igreja doméstica: “Vocês que estão casados dispõem de pouco tempo para estudar, para aprofundar  a fé. Alguns sofrem com isso, enquanto outros se conformam com facilidade, felizes por contar com um pretexto que os dispensa de uma laboriosa busca. Esquecem que não apenas os livros  falam de Deus e que, em sua casa, têm à sua disposição uma “bíblia doméstica”, se é que assim posso me exprimir. Não deixem de consultá-la. Refiro-me a todas essas realidades familiares que vocês possuem: o amor conjugal, a paternidade, a maternidade, a infância, a casa… É o que de mais explícito Deus encontrou para se dar a conhecer. Algo capaz de fazer sentir inveja aos que não se casam”.

Liturgia doméstica, culto a Deus prestado ao Senhor em casa, oferenda religiosa da vida conjugal, iluminação dos caminhos da vida do casal e dos filhos. De maneira muito simples, mas cheia de verdade, lemos: “O casal tem também sua liturgia. É no seu viver cotidiano que se desenvolve a sua espiritualidade conjugal, seu modo peculiar de se relacionar com Deus. É no dia a dia que o casal se aprofunda no seu amor e no amor de Deus, e procura pôr em prática o plano de amor que Deus lhe confiou.  As ações corriqueiras de cada dia são manifestações da liturgia do casal, não apenas para aqueles momentos em que o casal se une para rezar. Proporcionar  ao cônjuge  as coisas pequenas e simples que o façam feliz: um agrado, um sorriso, uma palavras de ânimo, dedicar-lhe mais tempo quando está cansado ou aborrecido, surpreendê-lo com algo inesperado (uma flor, um bilhete), incentivar  a luta para vencer a indolência, o orgulho, o egoísmo, desinstalar-se para prestar pequenos serviços (atender ao telefone, apanhar um copo de água, apagar uma luz), nunca deixar o cônjuge mal perante outras pessoas… Todas essas ações fazem parte da liturgia do casal e são verdadeiros ritos que expressam  amor, que é o  sinal sensível do sacramento da sua união”

Há  a liturgia familiar. “No meio das realidades terrenas e temporais, os cônjuges e os filhos marcam o ritmo da vida doméstica, pelos seus ritos diários. Os costumes de cada família, o bom dia que se desejam os cônjuges, o simples fato de os pais acordarem os filhos abrindo as janelas para que recebam a luz do sol, a refeição que tomam juntos, a despedida quando saem para a escola e para o trabalho, o retorno à casa ao final do dia, os telefonemas que fazem para se fazerem presentes na vida deles, são pequenos ritos que os unem a Deus e os santificam”.

“A família é o resultado da relação que se estabelece entre pais, filhos e netos, e do vínculo de união e de afeto que os coloca todos, pela convivência, na busca da realização pessoal e da felicidade. Aniversários e festas de família, casamentos, batizados, comemorações dos êxitos e das conquistas dos membros da família, refeições em comum, viagens passeios e ocasiões de lazer, a execução de tarefas domésticas e a participação em atividades sociais, as memórias e lembranças que dão conteúdo à história da família são momentos  marcantes da vida familiar. Tornam-se costumes, transformam-se em verdadeiros ritos que possibilitam a vivência do amor e da caridade. Daí a sacralidade da família”.

O Corão afirma: “Quem se casa realiza a metade da religião”. O sacramento do matrimônio não pode ser apenas  tido como  um evento fugidio perdido num passado longínquo. O próprio corpo participa do sacramento. Agora quem nos fala desse assunto é  Xavier Lacroix, teólogo leigo francês: “A ideia de sacramento não é tão abstrata quanto possa parecer. Ela está ligada à existência corporal. Numerosos são, na existência, gestos que realizam o que significam. As mais das vezes são os gestos mais carregados de valor e de sentido, os mais concretos, os mais encarnados: gestos de amizade ou de ternura, da mão sobre o ombro à carícia,  união carnal também, mas também presentes, refeições compartilhadas etc.  São atos simbólicos, mas reais. Através deles se realiza alguma coisa: o encontro, a renovação da ternura, a construção da relação. Nesse sentido, todo o corpo é sacramento, todo ele é significativo e realiza a presença da pessoa e mesmo a de Deus” (Le Mariage… tout simplement,  Ed. de l’Atelier, p. 75).

Mais ainda: “Muitas vezes se entende a palavra “sacramento” num sentido limitado no tempo, ao momento da cerimônia. Ora, a própria palavra sacramento designa não somente a inauguração desse estado de vida, mas este estado de vida em toda a sua duração, da mesma forma sacramento se estende por todo o tempo da duração de um casamento.  É todo o casamento que é sacramento. Entra-se progressivamente no sacramento. Sacramentais são os atos que o constituem: as refeições tomadas em comum, o envolvimento dos corpos, a acolhida  dos hóspedes, a educação dos filhos, as atenções mútuas e  mesmo as crises e as reconciliações. O lugar do sacramento  não é somente o altar da igreja mas a cama, a mesa, a casa” (p.89).


Frei Almir Ribeiro Guimarães

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