Henri
Caffarel, sacerdote francês, fundador das Equipes de Nossa Senhora, assim fala
da liturgia na Igreja doméstica: “Vocês que estão casados dispõem de pouco
tempo para estudar, para aprofundar a fé. Alguns sofrem com isso,
enquanto outros se conformam com facilidade, felizes por contar com um pretexto
que os dispensa de uma laboriosa busca. Esquecem que não apenas os livros
falam de Deus e que, em sua casa, têm à sua disposição uma “bíblia doméstica”,
se é que assim posso me exprimir. Não deixem de consultá-la. Refiro-me a todas
essas realidades familiares que vocês possuem: o amor conjugal, a paternidade,
a maternidade, a infância, a casa… É o que de mais explícito Deus encontrou
para se dar a conhecer. Algo capaz de fazer sentir inveja aos que não se
casam”.
Liturgia doméstica, culto a Deus prestado ao Senhor em casa, oferenda
religiosa da vida conjugal, iluminação dos caminhos da vida do casal e dos
filhos. De maneira muito simples, mas cheia de verdade, lemos: “O casal tem
também sua liturgia. É no seu viver cotidiano que se desenvolve a sua
espiritualidade conjugal, seu modo peculiar de se relacionar com Deus. É no dia
a dia que o casal se aprofunda no seu amor e no amor de Deus, e procura pôr em
prática o plano de amor que Deus lhe confiou. As ações corriqueiras de
cada dia são manifestações da liturgia do casal, não apenas para aqueles
momentos em que o casal se une para rezar. Proporcionar ao cônjuge
as coisas pequenas e simples que o façam feliz: um agrado, um sorriso, uma
palavras de ânimo, dedicar-lhe mais tempo quando está cansado ou aborrecido,
surpreendê-lo com algo inesperado (uma flor, um bilhete), incentivar a
luta para vencer a indolência, o orgulho, o egoísmo, desinstalar-se para
prestar pequenos serviços (atender ao telefone, apanhar um copo de água, apagar
uma luz), nunca deixar o cônjuge mal perante outras pessoas… Todas essas ações
fazem parte da liturgia do casal e são verdadeiros ritos que expressam
amor, que é o sinal sensível do sacramento da sua união”
Há a liturgia familiar. “No meio das realidades terrenas e
temporais, os cônjuges e os filhos marcam o ritmo da vida doméstica, pelos seus
ritos diários. Os costumes de cada família, o bom dia que se desejam os
cônjuges, o simples fato de os pais acordarem os filhos abrindo as janelas para
que recebam a luz do sol, a refeição que tomam juntos, a despedida quando saem
para a escola e para o trabalho, o retorno à casa ao final do dia, os
telefonemas que fazem para se fazerem presentes na vida deles, são pequenos
ritos que os unem a Deus e os santificam”.
“A
família é o resultado da relação que se estabelece entre pais, filhos e netos,
e do vínculo de união e de afeto que os coloca todos, pela convivência, na
busca da realização pessoal e da felicidade. Aniversários e festas de família,
casamentos, batizados, comemorações dos êxitos e das conquistas dos membros da
família, refeições em comum, viagens passeios e ocasiões de lazer, a execução
de tarefas domésticas e a participação em atividades sociais, as memórias e
lembranças que dão conteúdo à história da família são momentos marcantes
da vida familiar. Tornam-se costumes, transformam-se em verdadeiros ritos que
possibilitam a vivência do amor e da caridade. Daí a sacralidade da família”.
O Corão afirma: “Quem se casa realiza a metade da religião”. O sacramento
do matrimônio não pode ser apenas tido como um evento fugidio
perdido num passado longínquo. O próprio corpo participa do sacramento. Agora
quem nos fala desse assunto é Xavier Lacroix, teólogo leigo francês: “A
ideia de sacramento não é tão abstrata quanto possa parecer. Ela está ligada à
existência corporal. Numerosos são, na existência, gestos que realizam o que
significam. As mais das vezes são os gestos mais carregados de valor e de
sentido, os mais concretos, os mais encarnados: gestos de amizade ou de
ternura, da mão sobre o ombro à carícia, união carnal também, mas também
presentes, refeições compartilhadas etc. São atos simbólicos, mas reais.
Através deles se realiza alguma coisa: o encontro, a renovação da ternura, a
construção da relação. Nesse sentido, todo o corpo é sacramento, todo ele é
significativo e realiza a presença da pessoa e mesmo a de Deus” (Le Mariage…
tout simplement, Ed. de l’Atelier, p. 75).
Mais ainda: “Muitas vezes se entende a palavra “sacramento” num sentido
limitado no tempo, ao momento da cerimônia. Ora, a própria palavra sacramento
designa não somente a inauguração desse estado de vida, mas este estado de vida
em toda a sua duração, da mesma forma sacramento se estende por todo o tempo da
duração de um casamento. É todo o casamento que é sacramento. Entra-se
progressivamente no sacramento. Sacramentais são os atos que o constituem: as
refeições tomadas em comum, o envolvimento dos corpos, a acolhida dos
hóspedes, a educação dos filhos, as atenções mútuas e mesmo as crises e
as reconciliações. O lugar do sacramento não é somente o altar da igreja mas
a cama, a mesa, a casa” (p.89).
Frei Almir Ribeiro Guimarães
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